segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

A coroação do fim de ano

Pode falar o que quiser. Não acredito mais na redenção do último dia do ano. Dizem por aí que os últimos instantes de nossa vida são destinados ao arrependimento e à compreensão. Coisa tola. Na beirada do túmulo persistem os hipócritas que te odeiam. Os amigos, de verdade, dispensam as despedidas. Ao contrário, não se despedem. Aguardam o próximo encontro, alhures, na esperança de não terem sido enganados na promessa da vida eterna. Excessão aos poucos e bravos que podemos escolher para carregar o caixão. Estes levam o fardo de nossa vida em nossos últimos momentos de banho de sol.

Pois morremos uma vez por ano. É nessa porra de 31 de dezembro onde, por obrigação, temos que deixar o passado e pensar num ano novo repleto de felicidades. Pensamos em deixá-lo como momento de ruptura. A transformação deve ser instantânea, indiferente às mazelas dos outros 364 dias e seis horas anteriores. Que nada! Os últimos minutos insistem em ser a repetição profunda de nossas dores. É o golpe do pugilista que nos leva à lona para reacordarmos felizes por não parar em uma UTI.

É a alegria dos perdedores. A alegria de poder tentar mais uma vez. A alegria de enfrentar, novamente, o sofrimento que nos consome até a hora da morte.

sábado, 29 de dezembro de 2007

Dos tempos que se vão

- Vô! Demora muito preu fazer 18 anos?
- Pra você, só faltam 9.
- Vixe, vô. Então falta um montão!!!
- É, pode ser. Só parece perto quando a gente vê o fim do caminho.
- Vai demorar pra você também, vô. Já tá quase cego.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Papai Noel, filho batuta

Lembro daquela infância perdida nas profundezas da Vila Nova Cachoeirinha. Dois feriados chamavam demais minha atenção. Não sem motivo, os feriados de presentes. O primeiro era a Páscoa. O segundo, o Natal.

Não era pai, não era mãe, nem tinha namorada. Achava até que o 31 de agosto que nasci deveria ser feriado. Teria pai, mãe, tios, avós e amigos rodeando a mesa na falta do que fazer. Essa importância que as crianças se dão antes de perceberem sua insignificância no mundo.

Pois bem. A Páscoa era o momento mais esperado. O presente era certo. Dado pela empresa onde pai trabalhava. Um ovo grande... recheado de bombons. O trabalho para recebê-los tinha o gosto da cumplicidade. O pai nos levava ao campinho de futebol recheado de mamomas. Recolhía-mos as folhas daquela nossa munição de estilingues. Estava pronto o mais bonito dos ninhos para receber o ovo. Uma massa de chocolate carregada de suor, fuligem das caldeiras da metalúrgica e carinho paterno.

O Natal era diferente. Como o presente não era padronizado, sempre vinha algo aquém de nossos desejos. O carrinho era igual, mas não vinha movido à fricção. Pena. Como tudo em nossa vida, prescindia de nosso esforço. Carrinhos de areia para construir a casa, pernas para andar no primeiro emprego de office-boy, braços fortes para segurar as portas do ônibus e não cair.

Aos 38 anos veio a descoberta. Entro no banheiro de um shopping na mais profunda tristeza de um ano de maus tratos. Só quero aliviar a bexiga. Ao meu lado está Papai Noel. Tão humano quanto eu. Despeja o que o corpo recusa. Recusa as mágoas afogadas em cerveja, a incapacidade de agradar a todos.

Descubro, nesse momento, que o bom velhinho só passou em casa - naquele tempo de ilusões e sonhos ingênuos - para aliviar suas dores.

Musas


Dani Ferrari. A primeira