quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Papai Noel, filho batuta

Lembro daquela infância perdida nas profundezas da Vila Nova Cachoeirinha. Dois feriados chamavam demais minha atenção. Não sem motivo, os feriados de presentes. O primeiro era a Páscoa. O segundo, o Natal.

Não era pai, não era mãe, nem tinha namorada. Achava até que o 31 de agosto que nasci deveria ser feriado. Teria pai, mãe, tios, avós e amigos rodeando a mesa na falta do que fazer. Essa importância que as crianças se dão antes de perceberem sua insignificância no mundo.

Pois bem. A Páscoa era o momento mais esperado. O presente era certo. Dado pela empresa onde pai trabalhava. Um ovo grande... recheado de bombons. O trabalho para recebê-los tinha o gosto da cumplicidade. O pai nos levava ao campinho de futebol recheado de mamomas. Recolhía-mos as folhas daquela nossa munição de estilingues. Estava pronto o mais bonito dos ninhos para receber o ovo. Uma massa de chocolate carregada de suor, fuligem das caldeiras da metalúrgica e carinho paterno.

O Natal era diferente. Como o presente não era padronizado, sempre vinha algo aquém de nossos desejos. O carrinho era igual, mas não vinha movido à fricção. Pena. Como tudo em nossa vida, prescindia de nosso esforço. Carrinhos de areia para construir a casa, pernas para andar no primeiro emprego de office-boy, braços fortes para segurar as portas do ônibus e não cair.

Aos 38 anos veio a descoberta. Entro no banheiro de um shopping na mais profunda tristeza de um ano de maus tratos. Só quero aliviar a bexiga. Ao meu lado está Papai Noel. Tão humano quanto eu. Despeja o que o corpo recusa. Recusa as mágoas afogadas em cerveja, a incapacidade de agradar a todos.

Descubro, nesse momento, que o bom velhinho só passou em casa - naquele tempo de ilusões e sonhos ingênuos - para aliviar suas dores.

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