segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

A saga do tio Valdemar

Nem sei se era com V ou com W. O que interessa é o seguinte: nunca fiz tantas visitas para enterrar um não morto. A memória vai longe e dela só sobram os cheiros. Cheiro de casa interiorana com asfalto recém construído.

Rio Claro tinha um areia fina. Na beira do trilho de trem, onde um outro tio morreu atropelado, corria um leito arenoso que fazia a cidade parecer litoral. Sério mesmo! Um tapete de afundar até os calcanhares.

O asfalto naquelas bandas não servia como leito carroçável, esse eufemismo de recepção de de veículos motorizados. Famílias estendiam ali a colheita de arroz para secagem mais rápida.

Volta para o tio, tio-avô na verdade. Devia ter uns quatro ou cinco anos quando fui para Rio Claro ver o danado do velho (nessa idade todo mundo é velho) que estava para morrer. Fiz isso anos seguidos, ou por convite funeral ou por visitas familiares. Sempre tio Valdemar estava encomendado.

Na última visita, mais de 10 anos depois da primeira, encontrei-o bem cuidado. A filha e o genro davam a atenção necessária para ele e sua sonda amarelinha de urina. Móveis antigos e plantas na entrada da casa a tranformavam no sonho de túmulo perfeito e cheiroso.

Conversa vai, conversa vem, um gole de café e o desabafo. O velho Valdemar enterrou todos os irmãos. Só sobrara ele, parado no tempo como calendário esquecido em casa abandonada. Confesso que na hora torci para que a morte chegasse antes da amargura. Pelo que sei ainda pode sorrir em seu caixão.

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